Revista Cartográfica 106 | enero-junio 2023 | Artículos

ISSN (impresa) 0080-2085 | ISSN (en línea) 2663-3981

DOI: https://doi.org/10.35424/rcarto.i106.2121

Este es un artículo de acceso abierto bajo la licencia CC BY-NC-SA 4.0

A Cartografia Histórica de Petrópolis e uma análise geográfica sincrônica para o século XIX (1846-1861)a

The Historical Cartography of Petrópolis and a Synchrocnic Geographic Analysis for the 19th Century (1846-1861)

Tainá Laeta1

Manoel do Couto Fernandes2

Mário Gonçalves Fernandes3

 

Recebido 9 de agosto de 2022; aceito 2 de novembro de 2022

Resumo

A cidade de Petrópolis possui uma trajetória diferenciada em relação as outras cidades brasileiras, pois a conjuntura econômica, política e social sincrônica dão a cidade um caráter singular em sua criação. A compra da fazenda do Córrego Seco realizada em 1830 por Dom Pedro I é a primeira medida para concretização da construção do palácio imperial e a criação de uma povoação denominada Petrópolis. Para o estudo da geografia do passado da cidade imperial de Petrópolis, realizou-se busca por documentos históricos normativos e cartográficos junto as instituições de memória. Nesse sentido, destacam-se três documentos históricos, sendo eles dois normativos: Decreto Imperial nº 155 de 1843, marco de criação da cidade e o último documento, o relatório provincial de 1846, que especifica a distribuição dos prazos imperiais de acordo com o uso da terra e status ocupacional dos foreiros. Quanto ao documento histórico cartográfico, salienta-se a Planta Koeler de 1846, documento norteador desta pesquisa de autoria de Julio Koeler. Além desta, foram analisadas outras quatro plantas históricas, que foram georreferenciadas a partir da base cartográfica na escala 1:10.000 adquirida na Prefeitura Municipal de Petrópolis. O georreferenciamento possibilitou a sobreposição dos limites das cinco plantas históricas e junto aos documentos históricos normativos analisar mudanças ocorridas nos limites dessa nova urbe, através da vetorização dos quarteirões e prazos imperiais, além de outras feições constantes nas plantas históricas. Desse modo, com intervalo de quinze anos desde o primeira planta histórica até a última analisada, juntamente aos documentos históricos normativos constatou-se grande expansão dos limites inicialmente traçados na Planta Koeler. Desta maneira, as imposições dispostas nos documentos normativos traduzem em Petrópolis uma estratificação social e segregação espacial de padrão espacial característico do século XIX, com a elite instalada junto ao centro, pois era no centro da cidade que se encontravam as mais importantes instituições urbanas.

Palavras-chave: Cartografia Histórica, Geografia Histórica; Petrópolis/RJ, Planta Koeler, Morfologia Urbana.

 

Abstract

The city of Petrópolis has a differentiated trajectory in relation to other Brazilian cities, because the synchronic economic, political and social conjuncture gives the city a unique character in its creation. The purchase of the Córrego Seco farm in 1830 by Dom Pedro I is the first measure to carry out the construction of the imperial palace and the creation of a village called Petrópolis. For the study of the geography of the past of the imperial city of Petrópolis, a search was carried out for normative and cartographic historical documents along with memory institutions. In this sense, three historical documents stand out, two of them normative: Imperial Decree nº 155 of 1843, landmark of creation of the city and the last document, the provincial report of 1846, which specifies the distribution of imperial deadlines according to the use of the land and occupational status of tenants. As for the historic cartographic document, the Koeler Plan of 1846 stands out, the guiding document of this research authored by Julio Koeler. In addition to this, four other historical plans were analyzed, which were georeferenced from the cartographic base on a scale of 1: 10,000 acquired from the City Hall of Petrópolis. The georeferencing made it possible to overlap the limits of the five historical plans and together with the normative historical documents to analyze changes that occurred in the limits of this new city, through the vectorization of blocks and imperial terms, in addition to other constant features in the historical plans. Thus, with an interval of fifteen years from the first historical plan to the last one analyzed, together with the normative historical documents, a great expansion of the limits initially drawn in the Koeler Plan was verified. In this way, the impositions laid out in the normative documents translate in Petrópolis a social stratification and spatial segregation of a spatial pattern characteristic of the 19th century, with the elite installed close to the center, as it was in the center of the city that the most important urban institutions were located.

Key words: Historical Cartography, Historical Geography, Petrópolis/RJ, Koeler Plant, Urban Morphology.

 

1. Introdução

Os municípios da região Serrana do atual estado do Rio de Janeiro em sua história contada e assim no imaginário criado, trazem associado ao processo de ocupação que uma das motivações para a instalação de famílias nessas regiões era a busca por um clima mais ameno que o da capital. Porém, é certo que essa não terá sido a principal razão, pois a motivação, mudança, desbravamento, busca por novos lugares está diretamente relacionada a questão econômica e política vigente ao momento.

Entre os diversos municípios localizados nas montanhas/serras fluminenses está a cidade de Petrópolis, que teve uma trajetória particular quando comparada não só com as cidades fluminenses, mas também em relação à maioria dos municípios brasileiros.

Historicamente, as cidades brasileiras surgiram como vila. Porém, segundo Oliveira Junior (1926, p. 310), até o ano de 1846 Petrópolis era apenas um curato e através da lei nº 397, de 20 de maio de 1846 foi elevado à categoria de freguesia, sob a denominação de São Pedro de Alcantara, compondo parte do município da Estrella, tornando-se município, sob a lei nº 961, de 29 de setembro de 1857.

Essa rápida ascensão na esfera administrativa tinha uma razão de ser: Petrópolis era a cidade onde Dom Pedro II, o Chefe de Estado brasileiro, passou a morar a partir do final da década de 1840. Em pouco tempo, todos os “grandes” da Corte, fossem políticos ou negociantes, tinham suas casas naquela nova urbe, pois ali estava o “centro do poder”.

Em razão desses fatores/aspectos, Petrópolis começou a crescer, e seu desenvolvimento foi representado cartograficamente, com uma frequência pouco encontrada em outras cidades ou vilas brasileiras.

Além dessa particularidade, há outras, por vezes pouco lembradas.

A “cidade de Pedro” fora planeada não em terras públicas ou doadas para esse fim, mas dentro de uma propriedade que pertencia ao próprio monarca, e que foi particionada de uma forma bastante específica para a época, sendo inclusive estabelecido previamente as disposições dos quarteirões e como e por quem seriam ocupados.

A cidade de Petrópolis em sua divisão político-administrativa pensada por Julio Frederico Koeler, possui a particularidade de ser dividida inicialmente em onze quarteirões e duas vilas imperiais, onde estes quarteirões e vilas se assemelham a atual divisão político-administrativa em bairros, e já os prazos imperiais correspondem aos terrenos.

A Companhia Imobiliária de Petrópolis originária da Superintendência da Fazenda Imperial ainda mantém o direito legal a cobrança de foro sobre os prazos (terrenos), mesmos os parcelados posteriormente, tendo inclusive preferência de compra em uma eventual alienação dessas terras usufruídas em regime de enfiteuse, com um recolhimento de 2,5% a título de laudêmio no valor de alienação desses imóveis localizados no primeiro distrito do município (Ambrozio, 2012, p. 1-7). Esta Companhia é considerada a entidade jurídica que mantém o controle de cobrança sobre as propriedades na qual a cidade se originou.

A enfiteuse é compreendida como sendo um instituto do Direito Civil e também o mais amplo dos direitos reais. Aos enfiteutas é dado o direito do domínio útil ou também conhecido como domínio limitado, dando o direito de desfrutar de todas as qualidades da coisa, sem destruir a sua substância.

Entretanto, isso, mediante a uma das duas imposições colocadas aos foreiros, que é pagar ao senhorio uma prestação anual invariável denominada foro; a segunda obrigação é a de dar ao proprietário o direito de preferência, toda vez que for alienar o prazo (terreno). Salvo o caso do senhorio não demonstrar preferência de alienação, este terá o direito ao laudêmio, que se traduz na porcentagem de 2,5% sobre o negócio realizado.

Um dos fatores que delimitam a criação da cidade são os seus cursos d'água. Os rios da cidade de Petrópolis têm por característica serem de pequeno porte e não sendo de uso para navegação fluvial. Entretanto, os mesmos rios dão a cidade um caráter delineador no processo de ocupação, visto que foi a partir de seus vales que Koeler estabeleceu a área inicial de instalação do núcleo urbano.

Tanto assim, que os primeiros onze quarteirões imperiais e suas duas vilas imperiais foram delimitados ao longo de três principais cursos d'água, a saber são eles: rio Piabanha como principal curso d’água, contando ainda com o rio Quitandinha e o rio Palatino (antigo Córrego Seco) (Lordeiro, 2005, p.23).

 

2. Área de estudo

O município de Petrópolis encontra-se localizado na região Serrana do estado do Rio de Janeiro, ao norte na região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro (RMRJ), entre as coordenadas 43°22' e 43°00 a oeste e 22°34' e 22°12' ao sul.

O município conta com uma área de 795.769 km2, uma população de 295.917 habitantes para o ano de 2010, e com população estimada de 306.191 habitantes para o ano de 2019, segundo o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2011, p. 84; https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/petropolis/panorama).

Inicialmente Petrópolis passa a categoria de município a partir da Lei n° 961, de 29 de setembro de 1857 (Brasil, 1857). E em conjunto com decretos estaduais são criados os distritos de: Petrópolis, Cascatinha, Itaipava, Pedro do Rio e São José do Rio Preto. Destaca-se que em 17 de junho de 1859 foi instalada a primeira Câmara Municipal e eleito seu primeiro presidente, o Comendador Albino José de Siqueira (Fróes, 2002, p. 9).

A área gênese traçada por Koeler é de 15,62 km2, correspondendo a 11,75% da área do 1º distrito de Petrópolis e 1,96% da área total do município (Figura 1).

 

2. Roteiro metodológico

Para elaboração da pesquisa, primeiramente realizou-se concomitantemente o levantamento de documentos históricos cartográficos e histórico documental, sejam normativos, através de decretos e leis, como também publicações em jornais e artigos da época (Figura 2). Seguidamente foi realizado o georreferenciamento dos documentos históricos cartográficos e realizada a vetorização das feições contidas nos referidos documentos.

 

F1.jpg 

Figura 1. Mapa de localização do município de Petrópolis.
Fonte: elaboração própria.

 

F2.jpg 

Figura 2. Fluxograma do roteiro metodológico.
Fonte: elaboração própria.

2.1 Levantamento dos documentos históricos cartográficos

Nesta fase realizou-se o levantamento de documentos históricos cartográficos referentes a área gênese da imperial cidade de Petrópolis no século XIX. Foram descobertos cinco documentos históricos cartográficos, que foram elaborados em um intervalo temporal de 15 anos (1846-1861).

O primeiro documento cartográfico, Planta de Petropolis – 1846, também conhecida como Planta Koeler, de autoria de Julio Frederico Koeler, foi adquirido na Companhia Imobiliária de Petrópolis a partir de fotografias, tanto em tomada total (Figura 3) como de um conjunto de 191 fotos.

Os documentos cartográficos seguintes são: Planta de Petropolis – 1846, também de autoria de Julio Frederico Koeler, Planta de Petropolis – 1850 de autoria desconhecida e a Planta da Imperial Colonia de Petropolis (reduzida para guia dos visitantes) – 1854 assinado por Otto Reimarus. Os três documentos encontram-se sob os cuidados da Biblioteca Nacional e podem ser consultados em seu sítio eletrônico (http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital/).

F3.jpg 

Figura 3. Planta de Petropolis – 1846, elaborada por Julio Frederico Koeler, com dimensões de 129,2 centímetros de altura por 128,9 centímetros de largura.
Fonte: Companhia Imobiliária de Petrópolis e Acervo do Laboratório de Cartografia – GeoCart/UFRJ.

 

O último documento cartográfico pesquisado é planta da Imperial Cidade de Petropolis e os quarteirões coloniaes (planta reduzida) – 1861, de autoria de Carlos Augusto Taunay, obtida no Arquivo Histórico do Museu Imperial (Ibram/MinC/nº29/2017).

 

2.2 Levantamento histórico documental

Concomitante ao levantamento dos documentos históricos cartográficos, também realizou-se o levantamento de documentos históricos normativos referentes a fundação da cidade de Petrópolis, para uma melhor compreensão do processo de ocupação.

O primeiro documento é a Escriptura de Venda de huma Fazenda de cultura, e suas benfeitorias, plantas e cazas, e todos os seos pertences, que a Sua Magestade Imperial fazem Jose Vieira Affonso, e sua mulher e quitação, como abaixo se declara, que se encontra sob guarda do Arquivo Público Nacional (AN). Será sob as terras desta fazenda que se assentará a maior parte do núcleo inicial da povoação da futura Petrópolis.

O segundo documento que se conseguiu acesso foi o Decreto Imperial nº 155, também conhecido como “Plano-Povoação Palácio de Verão”, assinado por Sua Majestade Imperial Dom Pedro II e por seu Mordomo da Casa Imperial, Paulo Barbosa. É este documento que marca a fundação e o início do processo de ocupação da cidade de Petrópolis, estando sob os cuidados do Arquivo Público Nacional (AN).

Os três documentos seguintes são caracterizados por um conjunto de normas, isto é, condições com que as terras da futura Petrópolis deverão ser arrendadas. Estes documentos foram obtidos a partir das publicações da Comissão do Centenário de Petrópolis, em comemoração ao centenário da cidade no ano de 1943.

Posterior a este conjunto de três documentos, há o Relatório do presidente da Província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no 1º de março de 1846, acompanhado do orçamento da receita e despeza para o anno financeiro de 1846 a 1847.

O relatório autoriza a contratação de colonos estrangeiros para as obras do núcleo de povoação da futura Petrópolis e estabelece as regras para a distribuição dos prazos imperiais aos colonos, considerando a proximidade do Palácio Imperial, tipo de uso/atividade a ser desenvolvida e as dimensões dos prazos.

 

2.3 Georreferenciamento das plantas históricas

O crescente uso das geotecnologias em mapas históricos, através do georreferenciamento permite que haja uma compatibilização, ou melhor, sobreposição das plantas históricas e a base cartográfica, proporcionando uma melhor análise nas mudanças ocorridas no espaço geográfico em momentos distintos.

A base cartográfica utilizada foi obtida junto a Prefeitura Municipal de Petrópolis (PMP) – Coordenadoria de Planejamento e Gestão Estratégica ou Secretaria de Planejamento e Urbanismo na escala 1:10.000 e levantada no ano de 1999. A mesma se encontrava na projeção Universal Transversa de Mercator – UTM e no sistema geodésico SAD69 (South American Datum 1969), fuso 23. Posteriormente, na plataforma ArcGIS 10.1 os dados foram reprojetados para o sistema geodésico SIRGAS 2000 (Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas) (Figura 4). Vale destacar que, os dados de mapeamento para essa escala contemplaram a totalidade da área das plantas históricas pesquisadas.

F4.jpg 

Figura 4. Distribuição dos 30 pontos de controle utilizados no processo de georreferenciamento da Planta de Petropolis – 1846.
Fonte: Laeta (2021).

 

Seguido ao processo de georreferenciamento dos cinco documentos históricos cartográficos estudados, foi realizada a vetorrização e extração das informações contidas nas mesmas, isto é, tanto no que tange as informações de cunho cartográfico, quanto informações sobre quem foi seu elaborador, onde foi reproduzido (impresso) o documento.

Nesse sentido, é importante destacar das informações extraídas, aqueles referentes a demarcação/limite dos quarteirões e prazos imperiais, extensão frontal e lateral destes prazos (terrenos), pois será de grande contribuição para entender a organização espacial e estratificação social no bojo do nascimento da imperial cidade de Petrópolis.

 

3. Resultados

Após o processo de georreferenciamento das plantas históricas da imperial cidade de Petrópolis e extração de suas feições geográficas, observou-se que no intervalo de quinze anos na elaboração dos documentos históricos cartográficos houve uma expansão significativa da área inicial projetada por Koeler.

A Planta de Petropolis – 1846 (Biblioteca Nacional) também elaborada por Julio Frederico Koeler juntada ao relatório provincial não apresentou informações sobre identificação dos prazos aforados e dos colonos.

O documento histórico cartográfico seguinte, Planta de Petropolis – 1850, foi elaborada apenas quatro anos após o primeiro documento de Koeler e é neste documento que aparecem delimitados os novos nove quarteirões imperiais: Brazileiro, Presidencia, Francez, Inglez, Suisso, Woerstadt, Darmstadt, Rhenania Superior e Worms. A adição desses noves quarteirões imperiais mostra uma grande expansão da sua área gênese inicial, também configurada pelo acréscimo de 294 prazos relativos a estes novos quarteirões criados.

Na planta de Otto Reimarus de 1854 no que diz respeito aos quarteirões e prazos originais, quase nada se alterou da Planta Koeler. A Planta Koeler somou um total de 855 prazos imperiais e a planta de Reimarus um total de 848, ou seja, uma diferença de 7 prazos da planta histórica de 1846 para a de 1854. No entanto, vale ressaltar que o quarteirão Vila Imperial apresentou um acréscimo de 31 prazos imperiais (Tabela 1).

No que se refere aos novos quarteirões e prazos imperiais criados, houve uma adição de 351 prazos, isto é, houve um aumento de 41% da quantidade de prazos a serem aforados.

 

Tabela 1. Relação da quantidade de prazos de acordo com as quatro classes estipuladas pelo Relatório da Província de 1846

Plantasx classes

Koeler 1846_cip

Koeler 1846_bn

Relatório província 1846

Desconhecida 1850_bn

Reimarus 1854_bn

210

207

216

n/a**

241

26

26

26

26

26

181

173

169

96

183

431

441

440

704

744

Outros

7

7

—*

1

5

Total

855

854

851

827

1.199

Fonte: Laeta (2021).

* Os prazos de construções específicas foram considerados na contagem do total de prazos de 1ª (na Villa Imperial) e 3ª classe (quarteirão Nassau), pois estes não foram discriminados no relatório da província.

** Na planta 1850_BN, a Villa Imperial apresenta somente os limites de seu quarteirão, ou seja, não possui a demarcação dentro de seus limites dos prazos imperiais pertencentes a Villa Imperial. Assim, não foi possível contabilizar o total de prazos de 1ª classe, e, deste modo, considerou-se como não aplicável (n/a) a divisão por prazos na Villa Imperial.

 

4. Discussão

A análise da configuração territorial de Petrópolis não foi definida a partir dos primeiros movimentos colonizadores em terras brasileiras, mas sim como um processo que se iniciou no final do final do século XVII e início do século XVIII. Pois no primeiro século de colonização, a colônia tinha característica marcante de sua configuração socioespacial ocorrer exclusivamente no litoral (Azevedo, 1992, p. 5; Straforini, 2006, p. 2).

Os caminhos do ouro foram fundamentais na criação da cidade de Petrópolis. Desde os tempos coloniais foram estabelecidos caminhos de ligação entre o litoral, mais especificamente entre as cidades portuárias e o interior da colônia, precisamente para a Comarca da Vila Rica, onde desde o final do século XVII descobriu-se ouro em abundância, e esta comarca contava com povoações de destaque, como Vila Rica (Ouro Preto) e Mariana (Costa, 2015, p. 86; Santos
et al., 2011, p. 295).

A partir da descoberta aurífera e da necessidade de instalação de postos ficais para controle no tráfego destes metais que os caminhos para as Minas Gerais ganharam impulso, sempre com o intuito de encurtar o tempo e trazer mais segurança ao ataque de corsários.

Inicialmente durante o século XVII, foram abertos dois caminhos, o primeiro denominado de “Caminho Velho de São Paulo”, que fazia a ligação entre os portos do Rio de Janeiro e São Vicente (SP), continuando pelos vales dos rios Tietê e Paraíba do Sul. Posteriormente, por uma necessidade de segurança foi criada a variante terrestre, denominada “Variante do Caminho Velho”, entre Taubaté no vale do Paraíba do Sul e o porto de Paraty, acarretando assim um menor tempo na ligação terrestre com o porto do Rio de Janeiro, como também manteve sua rota mais próxima a costa brasileira.

Ainda na segunda metade do século XVII, devido a intensificação das atividades mineiras foi criado o “Caminho Novo”, cujo objetivo era transpor diretamente a serra do Mar, o que fazia o caminho ser ainda mais seguro e curto entre as Minas Gerais e o Rio de Janeiro, porto oficial do embarque de ouro nas “naus do quinto real” com destino à Corte de Lisboa. Este caminho também ficou conhecido como também conhecido como “Caminho do Garcia”, “Caminho do Couto”, “Caminho do Pilar” ou “Caminho Novo” do Rio de Janeiro para as minas.

Segundo Fróes (2006, p. 2), o “Caminho Novo” foi o ponto inicial para a ocupação das terras devolutas da bacia do Médio Inferior do Vale do Paraíba, onde mais tarde seriam delimitadas as terras do futuro município de Petrópolis, e confirmadas pela necessidade da abertura de um novo caminho, a “Variante do Caminho Novo”.

 

4.1. Os documentos históricos normativos de Petrópolis

O Decreto Imperial nº 155, foi assinado na data de 16 de março de 1843, no Paço da Boa Vista por Sua Majestade Imperial Dom Pedro II e por seu Mordomo da Casa Imperial, Paulo Barbosa.

No referido decreto já constavam algumas exigências a serem contempladas com o arrendamento no valor de 1:000$000 (um conto de réis) anuais sobre a fazenda do Córrego Seco ao Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler, dentre elas: reservar um terreno para edificar um palácio com dependências e jardins; um terreno para uma povoação, com prazos aforados a particulares de 5 braças4 indivisíveis pelo preço que for convencionado, mas nunca menos de 1$000 (mil réis) por braça; inclui também para serem aforados prazos com 100 braças de um lado e do outro da “Estrada Geral”; demarcar um terreno para edificar uma igreja; e um terreno destinado ao cemitério da futura povoação (Brasil, 1843).

O decreto imperial expressa o objetivo de rendimento com os prazos a serem aforados, pré-estipulando os valores a serem cobrados por braça.

Pouco depois do decreto imperial anteriormente mencionado, a Escriptura de arrendamento da Fazenda denominada Corrego Seco, sita no alto da Serra da Estrella, que faz o Ex.mo Mordomo da Caza Imperial, ao Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler é assinada em 26 de julho de 1843.

Este documento já em seu cabeçalho destaca que a fazenda do Córrego Seco, situada na serra da Estrela e arrendada a Julio Frederico Koeler pertencia aos bens particulares do imperador: “se convencionarão nas condições com que aquelle Major toma de arrendamento á Caza Imperial a Fazenda denominada <<Corrego Seco>>, sita na Serra da Estrela, pertencente aos bens particulares de Sua Magestade Imperial”.

O trecho destacado acima estabelece que as terras da fazenda do Córrego Seco pertencem aos bens particulares de Sua Majestade Imperial e por isso seu rendimento da cobrança de foro era destinado ao monarca em particular e não aos cofres públicos do império.

Destaca-se que neste documento no Art. 10. aparece pela primeira vez a menção ao documento histórico Planta de Petropolis – 1846, no qual o arrendatário, Julio Frederico Koeler, fica obrigado a levantar a “planta da futura Petropolis, e do Palacio e suas dependencias gratuitamente”.

No mesmo dia e ano em que foi lavrada a escritura do contrato de arrendamento da fazenda do Córrego Seco de Sua Majestade Imperial a Julio Frederico Koeler na data de 26 de julho de 1843, outro documento também foi redigido, estipulando as condições em que seriam aforadas as terras do contrato de arrendamento desta dita fazenda a Julio Frederico Koeler sob o título: Condições com que se aforão terras na Fazenda de Sua Majestade o Imperador, denominada <<Corrego Seco>> e que fazem parte do contracto de arrendamento que faz o Sr. Major Koeler.

O documento normativo, Condições com que se aforão as terras de Petropolis, e as do arrendamento do Major Julio Frederico Koeler foi elaborado três meses depois do anterior, na data de 30 de outubro de 1843, os quais são listados 16 artigos muitos dos quais ratificando e complementando os dispositivos do contrato anterior. Nele estão as instruções para os aforamentos dos prazos arrendados a Koeler que formarão a futura Petrópolis em condições de enfiteuse.

Após aparecer pela primeira vez uma alusão a Planta Koeler, no Art. 10. do documento do contrato de arrendamento das terras de Sua Majestade Imperial a Julio Frederico Koeler, essa é a segunda vez que a Planta Koeler é citada. Assim, o Art. 1º estabelece que a “A futura Petropolis constará do terreno descripto e marcado no mappa levantado pelo arrendatario Koeler, e do que para o futuro Sua Magestade Houver por bem designar”.

O último documento normativo é o Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Sousa Coutinho, na abertura da assembléa legislativa provincial no 1º de março de 1846, acompanhado do orçamento da recita e despeza para o anno financeiro de 1846 a 1847 – Colonisação. Este documento foi publicado concomitante ao momento de finalização da Planta Koeler no ano de 1846 o qual distinguirá pela primeira os prazos por classes, cujos critérios serão as dimensões e principalmente o uso da terra.

Desta maneira, os prazos de 1ª classe possuem 10 braças de frente por 70 braças de fundo e ocupam a frente das ruas e praças da Villa Imperial e são os prazos próximos palácio imperial. Devem ocupar estes prazos negociantes, artistas e pessoas da corte que desejam passar o verão em um clima mais temperado da serra.

Os prazos de 2ª classe localizam-se nos terrenos do subúrbio da Villa Theresa e são os mais próximos ao Alto da Serra, ou seja, a Villa Imperial e possuíam como condição para aforamento as mesmas dos prazos de 1ª classe. Tinham estipulado como dimensões 15 braças de frente e 100 ou mais braças de fundo.

Os prazos de 3ª classe se localizavam a beira da “Estrada Geral” exceto os 26 prazos citados acima pertencentes a 2ª classe e eram destinados a artistas que não se ocupassem muito da lavoura. Possuíam as mesmas dimensões que os anteriores: 15 braças de frente por 100 ou mais braças de fundo.

Por último, os prazos de 4ª classe, considerados todos os outros prazos existentes, ou seja, terrenos do interior, dentro dos limites da fazenda destinados a lavoura e com dimensões de 50 braças de frete por 100 ou mais braças de fundo.

A sucessão de elaboração dos acima expostos e suas normativas apontam já uma estratificação social. O que fica mais evidente neste último documento, o relatório provincial, com a distribuição ser condicionada ao ofício do foreiro.

 

4.2 Os propósitos das plantas históricas cartográficas de Petrópolis

O primeiro documento cartográfico de Petrópolis, de autoria de Julio Frederico Koeler, julga-se ser a planta de trabalho (ou de campo) do engenheiro alemão. O que se justificaria por observar na planta intervenções diretas como, por exemplo, anotações de cálculos e indicações de novos quarteirões e prazos a distribuir, isto é, a existência da delimitação de prazos destinados a expansão da cidade.

O propósito do documento cartográfico Planta de Petropolis – 1846 (Figura 5), é que esta planta serviu para o controle de distribuição e ocupação dos primeiros prazos do núcleo urbano inicial da cidade de Petrópolis e consequentemente realizar a cobrança de foro sobre os prazos aforados.

 

F5.jpg

Figura 5. Enumeração estipulada por Koeler na Planta de Petropolis – 1846 da Companhia Imobiliária de Petrópolis para identificação dos quarteirões e prazos imperiais.
Fonte: Laeta (2021), adaptado de Julio Frederico Koeler (1846a).

 

Tudo isso cumprindo as exigências que constavam nos documentos normativos. Nota-se esse propósito pelas suas anotações referentes aos nomes dos colonos (foreiros) a ocuparem os prazos, assim como, o número de cada prazo e indicação do local de construção dentro do limite de cada prazo e as dimensões dos prazos de acordo com sua classe (Figura 6).

Tanto assim serviu para controle, que a numeração dos prazos tinha em sua lógica ser sempre iniciada por número par, identificando cada quarteirão, onde os dois últimos números eram de controle de ordenação do foreiro e os números iniciais referirem-se ao número de identificação do quarteirão.

A Planta de Petropolis – 1846, guardada na Biblioteca Nacional, também elaborada por Julio Frederico Koeler, teve como propósito ser juntada ao Relatório do presidente da Província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no 1º de março de 1846, acompanhado do orçamento da receita e despeza para o anno de 1846 a 1847 – Colonisação. O que fica evidenciado por constar na planta a inscrição “Mandada levantar pelo Presidente da Província do Rio de Janeiro O Excelentíssimo Senhor Conselheiro Aureliano de Souza Oliveira Coutinho, para se juntar ao seu relatório”.

 

F6.jpg 

Figura 6. Enumeração estipulada por Koeler na Planta de Petropolis – 1846 da Companhia Imobiliária de Petrópolis para identificação dos quarteirões e prazos imperiais.
Fonte: Laeta (2021).

 

Neste relatório foram estipuladas as condições de distribuição dos prazos imperiais de acordo com a atividade desenvolvida. Para o processo de controle e distribuição, foi utilizada a planta anterior, ou seja, a planta de campo de Koeler, visto que na planta juntada ao relatório da província não constavam informações sobre o número dos prazos, como também os nomes dos foreiros.

Esta segunda planta elaborada por Koeler, contava com os mesmo onze quarteirões e duas vilas imperiais, mas com um total 854 prazos imperiais. Tal diferença pode ser relativizada por ser a primeira considerada de campo e a segunda ser o documento cartográfico juntado ao relatório provincial para assim implementar o “Plano-Povoação Palácio de Verão”.

Salienta-se que as plantas elaboradas por Koeler e guardadas da Companhia Imobiliária de Petrópolis e na Biblioteca Nacional, possuem respectivamente a escala de 1:5.000 e 1: 10.000, assim se enquadram dentro da escala de mapeamento cadastral.

Segundo Dorling & Fairbairn (1997, p. 83), os mapas cadastrais são mapas elaborados com o objetivo de ajudar no registro da propriedade das parcelas de terra, especificamente com a finalidade de cadastro fiscal e legal. As plantas elaboradas por Koeler apresentam essas finalidades, uma vez que, no que diz respeito ao cadastro fiscal há cobrança de foro e para o cadastro legal há o registro da parcela, tanto em escritura quanto no mapa.

A Planta de Petropolis – 1850, foi elaborada apenas quatro anos após o primeiro documento de Koeler. Assim como a planta juntada ao relatório da província, não apresentou informações sobre identificação dos prazos aforados e dos colonos. Entretanto, é neste documento que aparecem delimitados os novos nove quarteirões imperiais: Brazileiro, Presidencia, Francez, Inglez, Suisso, Woerstadt, Darmstadt, Rhenania Superior e Worms, mostrando assim uma grande expansão da sua área gênese inicial.

Assim como a planta de Koeler, o quarto documento histórico cartográfico, a planta de Otto Reimarus enumera os prazos imperiais seguindo as mesmas orientações estipuladas por Koeler, tanto no que diz respeito aos prazos existentes nos quarteirões originais, quanto nos prazos e quarteirões previstos por Koeler (Figura 7). Com isso, constata-se o propósito de controle de ocupação dos prazos originais e controle de ocupação e distribuição dos novos prazos.

A planta de 1854 de Otto Reimarus, apesar de ter escala 1:34.000, ou seja, não se enquadrar na escala de mapeamento cadastral, cumpre o papel fiscal e legal de cadastro, visto que é utilizada até os dias de hoje para o controle e ocupação da cidade. Esta planta provavelmente foi elaborada a partir de um documento cartográfico em escala maior, e isto pode ser confirmado pelos documentos em escala menor elaborados anteriormente por Koeler. Reimarus, utilizou-se do artifício da legenda para representar feições que na Planta Koeler constavam no próprio desenho.

Na planta de Otto Reimarus, na vetorização das feições do documento cartográfico referente aos prazos imperiais, foram contabilizados um total de 1.199 prazos imperiais (Tabela 1). Já no que se refere aos quarteirões e vilas imperiais da planta de 1850 os mesmo se mantivera, havendo no entanto o acréscimo do quanteirão “PrincezaImp”.

 

F7.jpg

Figura 7. Enumeração estipulada por Reimarus na Planta da Imperial Colonia de Petropolis – 1854 para identificação dos quarteirões imperiais.
Fonte: Laeta (2021), adaptado de Otto Reimarus (1854).

 

A planta de Taunay de 1861, diferentemente das anteriores pode ser entendida para fins de vilegiatura, pois não possui informações importantes no que tange ao propósito de controle de ocupação sobre os prazos imperiais distribuídos.

Este último documento histórico cartográfico possui os limites de seus quarteirões não tão bem definidos e demarcados, e nem por essa razão pode ser entendido como sendo um produto mal elaborado, mas sim elaborado para atender aos seus propósitos, que era o de divulgar, disseminar para fins turísticos a imperial cidade de Petrópolis.

A planta de Taunay de 1861 está na escala 1:42.000, o que sugere que esta planta histórica tomou como referência um planta em escala maior para o traçado das feições que nela constam.

Após o exposto, compreende-se que os documentos históricos cartográficos Planta de Petropolis – 1846 da Companhia Imobiliária de Petrópolis e Planta da Imperial Colonia de Petropolis (reduzida para guia dos visitantes) – 1854, em conjunto com os documentos normativos, serviram para o controle de ocupação da imperial cidade de Petrópolis, e consequentemente cobrança de foro, visto a manutenção das informações que constavam em ambas as plantas relativas ao número de identificação dos quarteirões e prazos imperiais.

 

4.3 Segregação espacial e estratificação social no traçado urbano dos quarteirões e prazos imperiais da cidade imperial de Petrópolis

A cidade de Petrópolis nasce com o ideário de uma colônia agrícola através do “Plano-Povoação Palácio de Verão”. Na compreensão do espaço urbano da cidade petropolitana para o recorte temporal estudado observa-se diferentes usos da terra justapostos acarretando o estabelecimento de áreas específicas.

O processo de distribuição dos prazos nos quarteirões imperiais estabeleceu a estratificação social e segregação espacial a partir da Planta de Petropolis – 1846 (Companhia Imobiliária de Petrópolis) e o relatório provincial de 1846.

Os prazos de 1ª e 2ª classes eram destinados mais a nobreza e a artistas, isto é, esses prazos configuravam uma área residencial com forma e conteúdo social diferenciado. Esses prazos se encontravam no próprio centro da cidade, também era nesta área central que se encontravam atividades de lazer, comercial e serviços. A área central guardava alto grau de especulação imobiliária por serem os prazos que se encontravam nas proximidades da residência de Sua Majestade Imperial (Figura 8).

Observou-se nas plantas históricas seguintes: Planta de Petropolis – 1850, Planta da Imperial Colonia de Petropolis (reduzida para guia dos visitantes) – 1854 (Figura 9) e para Imperial Cidade de Petropolis e os quarteirões coloniaes (planta reduzida) – 1861 a ratificação da mesma organização espacial. A organização espacial ou espaço urbano petropolitano, como o de qualquer espaço de cidade capitalista, é marcado por definições de áreas de uso da terra.

F8.jpg 

Figura 8. Segregação espacial e estratificação social dos prazos imperiais da Planta Koeler, distribuídos em 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe.
Fonte: elaboração própria, adaptado de Julio Frederico Koeler (1846a).

 

F9.jpg 

Figura 9. Segregação espacial e estratificação social dos prazos imperiais da Planta da Imperial Colonia de Petropolis (reduzida para guia dos visitantes) – 1854, distribuídos em 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe.
Fonte: elaboração própria, adaptado de Otto Reimarus (1854).

 

4.4 Exemplo da morfologia urbana das cidades de origem portuguesa e alemã e a imperial cidade de Petrópolis

Moudon (1997, pp. 3-5), aponta que o estudo da morfologia urbana é o estudo das cidades e nesse sentido é importante analisar desde a formação das cidades e suas transformações. No pensamento das três escolas: italiana, francesa e alemã é possível observar em comum os elementos de análise morfológica: as construções (edificações), os jardins, as ruas, monumentos, parques, prazos, entre outros.

No entanto, é no pensamento da escola alemã que se destaca a preocupação nos estudos das formas urbanas, a partir da criação de tipologias de formas urbanas históricas e posterior análise dos planos urbanos de diferentes períodos de uma mesma cidade.

O geógrafo alemão Michael Robert Günter Conzen, grande propulsor da escola alemã no estudo sobre a morfologia urbana, considera a paisagem urbana como dinâmica. Para a análise da paisagem urbana criou a abordagem denominada “análise do plano”, que permitiu identificar os três elementos do plano, sendo eles: as ruas, os prazos e as construções. Conzen destaca ainda a importância do estudo dos limites e dimensões dos prazos, isto é, as medições metrológicas, pois traduzirão a reconstrução a área inicialmente projetada.

No plano urbano de Petrópolis do século XIX implementado por Koeler e a partir da análise da paisagem urbana proposta por Conzen é possível identificar essas áreas homogêneas, traduzidas pelas quatro classes estabelecidas no relatório provincial de 1846 e os prazos traçados na Planta Koeler.

Ainda no que se refere a morfologia urbana, a cidade de Petrópolis apresenta uma peculiaridade, pois apesar do Brasil ter sido colônia portuguesa, a cidade de Petrópolis se destaca por ter sido pensada e executada a partir do Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler, de origem alemã.

Alguns estudos pretéritos apresentam as características e peculiaridades das cidades portuguesas e alemãs em território brasileiro. Destaca-se o estudo de Peluso Júnior de 1956, Tradição e plano urbano das cidades portuguesas e alemãs no Estado de Santa Catarina, onde o autor faz uma comparação de quatro cidades do estado de Santa Catarina fundadas até meados do século XIX e observa dois tipos de plano urbano.

Segundo ele, o mais difundido plano urbano tem como elemento principal a praça central e a igreja como um ícone emoldurado, e o segundo, mais raro, que se adapta ao relevo para estabelecer e assentar os sítios, tendo como elemento principal o centro comercial. Em seu estudo, o autor destaca os planos urbanos as cidades de Florianópolis e Lages como exemplos do primeiro tipo de plano, sendo este um modelo de cidades portuguesas. E no segundo tipo de plano urbano as cidades de Joinville e Blumenau o padrão alemão de cidade (Peluso Júnior, 1956, p. 326).

Nos núcleos de origem portuguesa, nas cidades de Florianópolis e Lages, as primeiras ruas adaptaram-se ao relevo, mas contando como ponto de referência para expansão da cidade a igreja com sua praça. Nesse sentido as ruas foram traçadas mais ou menos paralelas face a praça que se localizava de frente para o templo religioso, tornando esta área a zona central.

Já nas cidades de Blumenau e Joinville com origem de colonização alemã tinham como elemento principal a rua comercial. O relevo exerceu grande influência em seu traçado, mas também permitiu o traçado de quadras regulares em áreas mais planas.

No que tange a cidade de Petrópolis, observa-se similaridade com os elementos norteadores nos traçados das cidades de Blumenau e Joinville. A colonização da região Serrana e consequentemente a cidade de Petrópolis nasce da necessidade da abertura de um novo caminho para escoar a exploração aurífera proveniente das Minas Gerais com destino ao porto do Rio de Janeiro e que posteriormente seguia para Lisboa.

Desta maneira, a primeira correspondência de Petrópolis como as cidades de Blumenau e Joinville de colonização alemã era a função comercial, a primeira tinha como função porto fluvial e a segunda como porto marítimo para exportar a produção pecuária da colônia.

Outra similaridade além da função comercial era a direção dos arruamentos que se orientava pelo relevo. No que está relacionado ao traçado urbano de Petrópolis e os três principais cursos d’água, estes foram delineadores no processo de ocupação, pois Koeler traçou os prazos imperiais a partir das margens dos rios Piabanha, Quitandinha e Palatino e seus tributários, como pode ser evidenciado na Figura 10. Mesmo que o traçado urbano não seja regular de xadrez, apresenta uma certa regularidade no que diz respeito as dimensões dos prazos de acordo com a classe (tipo de uso) e com o frontispício de cada prazo voltado para o curso d’água.

F10.jpg 

Figura 10. Traçado urbano de Petrópolis delineado pelos três principais cursos d’água: Piabanha, Quitandinha e Palatino, e seus tributários.
Fonte: Laeta (2021).

 

5. Conclusão

Petrópolis nasce com alguns propósitos já estipulados, ou seja, não é uma cidade que nasce ao acaso. Conjunturas políticas, econômicas e sociais são pontos de partida para uma organização espacial ou reorganização espacial de Petrópolis, onde os momentos conturbados da Corte, tanto no que tange as questões políticas e econômicas contribuíram para o surgimento da cidade e que implicaram nas mudanças da dinâmica social criada na imperial cidade.

As terras da fazenda do Córrego Seco eram particulares do imperador, por isso muitas vezes há uma ligeira confusão na distinção do que é público e do que é privado. As orientações que se observa nos documentos normativos foram postas em prática muitas vezes transvestidas do papel a ser exercido pelos agentes sociais Estado e proprietários fundiários concentrados na figura do imperador.

Junto ao suposto “Estado”, aqui representado pelo próprio imperador, a classe dominante também contribui para o estabelecimento da segregação residencial e estratificação social, pois a ela é ofertado a escolha das melhores áreas para habitar.

Assim, nos limites estabelecidos pela Planta Koeler, os prazos da Villa Imperial, orientados pelos documentos históricos normativos, são ocupados por pessoas de alto poder aquisitivo, seja por pertencerem a Corte ou por proximidade com pessoas que pertencem a Corte, estabelecem uma segregação residencial e social.

A intensão não é produzir algo e por isso não há necessidade de prazos de grandes dimensões, mas sim ter sua moradia próximo a residência imperial. É a lógica da necessidade do status social.

Os mapas são documentos que permitem o registro das transformações espaciais de uma cidade, pois neles são inscritas as mudanças ocorridas na paisagem, tanto natural como construída. As plantas georreferenciadas possibilitaram uma sobreposição dos limites dos quarteirões e prazos imperiais, o que contribuiu para constatar as mudanças ocorridas no espaço geográfico da cidade imperial de Petrópolis, revelando uma maior expansão dos prazos referentes a 4ª classe, pertencentes aos nove novos quarteirões imperiais já na Planta de Petropolis – 1850, isto é, apenas quatro anos após a elaboração do primeiro documento histórico cartográfico da cidade, a Planta Koeler.

Como continuidade ao estudo do passado do espaço geográfico petropolitano, após o processo de georreferenciamento foram extraídos e espacializados os nomes geograficos (topônimos) dos cinco documentos históricos cartográficos. O objetivo deste próximo estudo é além de espacializar entender a origem e motvação dos nomes geográficos constantes nos referidos documentos históricos cartográficos para compreender melhor a dinâmica do processo de ocupação da cidade imperial de Petrópolis.

 

Bibliografía

Ambrozio, J. C. G. (2012). O Território da Enfiteuse e a Cidade de Petrópolis – RJ, Brasil. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona, 418 (39), 1-7.

Azevedo, A. (1992). Vilas e Cidades no Brasil Colonial. Ensaio de geografia urbana retrospectiva. Revista Terra Livre – AGB. (10), 23-78.

Dorling, D. & Fairbairn, D. (1997). Mapping: Ways of Representation the World, 1st edition. Edinburgh Gate: Prentice Hall.

Fróes, G. K. (2002). Algumas Datas Anteriores a 17 de Junho de 1859. Acervo Histórico Gabriel Kopke Fróes,1953. Instituto Histórico de Petrópolis. http://www.ihp.org.br/lib_ihp/docs/gkf19530800.htm

Fróes, C. O. (2006). Petrópolis – A Saga de Um Caminho – O Caminho Novo (Capítulo 1). Tribuna de Petrópolis. Instituto Histórico de Petrópolis. http://ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/cof20060120.htm

Geocart – Laboratório de Cartografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2015). Acervo fotográfico: tomada total e conjunto de 191 fotos da Planta de Petropolis - 1846. Rio de Janeiro: Laboratório de Cartografia (GeoCart), Departamento de Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (2011). Sinopse do Censo Demográfico 2010. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Rio de Janeiro.

Laeta, T. (2021). Cartografia histórica da imperial cidade de Petrópolis: subsídios para uma análise de geografia histórica no século XIX (1846-1861) [Tese, Departamento de Geografia, Instituto de Geociência, Universidade Federal do Rio de Janeiro], Rio de Janeiro.

Lordeiro, M. S. (2005). Petrópolis: rios e montanhas. Petrópolis: Edição do Autor.

Marques, M. S. (2001). Cartografia Antiga: tabela de equivalências de medidas. Lisboa: Biblioteca Nacional.

Moudon, A. V. (1997). Urban Morphology as an Emerging Interdisplinary Field. Urban Morphology (International Seminar on Urban Form). Birmingham, vol. 1, pp. 3-10. ISSN: 1027-4278.

Oliveira Junior, D. L. O. (1926) (Org.). Legislação sobre os Municípios, Comarcas e Districtos – abrangendo o período de março de 1835 a 31 de dezembro de 1925. Rio de Janeiro: Typ. Do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C.

Peluso Júnior, V. A. (1956). Tradição e Plano Urbano das Cidades Portuguesas e Alemãs. Revista Boletim Geográfico. Rio de Janeiro, XIV (133), 325-357.

Santos, M. M. D. et al. (2011). Capitania de Minas Gerais no Início dos Oitocentos, Segundo a Cartografia de Caetano Luiz de Miranda: informações fidedignas? (pp. 267-300) Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte.

Straforini, R. (2006). Estrada Reais no Século XVIII: a importância de um complexo sistema de circulação na produção territorial brasileiro. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, 218 (33), 247-263.

Fontes documentais

Brasil (1843). Decreto Imperial, número 155 – referente ao arrendamento da Fazenda Corrego Secco ao Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler na data de 16 de março de 1843. Archivo Publico Nacional – Rio de Janeiro.

Brasil (1846). Lei n° 397, de 20 de maio de 1846. O presidente da província eleva a categoria de freguesia o curato de Petrópolis. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=094170_01&pesq=Petropolis&pasta=ano%20184&hf=memoria.bn.br&pagfis=30021

Brasil (1846). “Relatório do presidente da Província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, na abertura da Assembléa Legislativa Provincial no 1º de março de 1846, acompanhado do orçamento da receita e despeza para o anno financeiro de 1846 a 1847. Nictheroy, em 1º de maio de 1846.”. Center of Research Libraries – Brazilian Government Document Digitalization Project. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/776/000079.html

Brasil (1857). Lei n° 961, de 29 de setembro de 1857. Decreta a elevação de cidade as vilas de Valença e Vassouras e a povoação de Petrópolis. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=217280&pesq=Lei%20961&pasta=ano%20185&hf=memoria.bn.br&pagfis=13842

 

Documentos históricos

“Escriptura de arrendamento da Fazenda denominada Corrego Seco, sita no alto da Serra da Estrella, que faz o Ex.mo Mordomo da Caza Imperial, ao Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler” – na data de 26 de julho de 1843. Comissão do Centenário de Petrópolis – Prefeitura Municipal de Petrópolis (reprodução em foto-cópia do exemplar editado pela Tipografia Laemmert). Petrópolis: Tipografia Ipiranga, 1943a., 15 pp.

“Condições com que se aforão terras na Fazenda de Sua Majestade o Imperador, denominada <<Corrego Seco>> e que fazem parte do contracto de arrendamento que se faz o Sr. Major Koeler.” – na data de 26 de julho de 1843. Comissão do Centenário de Petrópolis, Prefeitura Municipal de Petrópolis (reprodução em foto-cópia do exemplar editado pela Tipografia Laemmert). Petrópolis: Tipografia Ipiranga, 1943a., 15 pp.

“Condições com que se aforão as terras de Petrópolis, e as do arrendamento do Major Julio Frederico Koeler.” – na data de 30 de julho de 1843. Comissão do Centenário de Petrópolis – Prefeitura Municipal de Petrópolis (reprodução em foto-cópia do exemplar editado pela Tipografia Laemmert). Petrópolis: Tipografia Ipiranga, 1943a., 15 pp.

 

Documentos cartográficos

Planta de Petropolis – 1850. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1850. Litografia desconhecida, 93,3 x 97,8 cm. http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart525848/cart525848.jpg

Koeler, Julio Frederico. Planta de Petropolis – 1846. Petrópolis: Companhia Imobiliária de Petrópolis, 1846a. Litografia desconhecida, 128,9 x 128,2 cm. Escala gráfica de 500 brassas.

Koeler, Julio Frederico. Planta de Petropolis – 1846. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1846b. Litographia Vítor Larré, 61,5 x 65,85 cm. Escala gráfica de 600 Braças. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart233811/cart233811.jpg

Prefeitura Municipal De Petrópolis (Petrópolis). Base Cartográfica do Município de Petrópolis. Petrópolis: Secretaria de Planejamento e Urbanismo, 1999. Escala 1:10.000.

Reimarus, Otto. Planta da Imperial Colonia de Petropolis – reduzida para guia dos visitantes – 1854. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1854. Lithographia. Imperial de Resenburg. 1854, 29,4 x 41,2 cm. Escala gráfica de 3.000 Braças. http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart176710/cart176710.jpg

Taunay, Carlos Augusto. Imperial Cidade de Petropolis e os quarteirões coloniaes (planta reduzida) – 1861. Petrópolis: Arquivo Histórico do Museu Imperial, 1861, Ibram, MinC, nº 29/2017, SGI 1152/2017-07. Litografia desconhecida, 28 x 22 cm. Escala gráfica de 2.500 braças.

1 Universidad Federal de Río de Janeiro, Brasil, e-mail: tainalaeta@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1607-5640

2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, e-mail: manoel.fernandes@igeo.ufrj.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4500-0624

3 Universidade do Porto, Portugal, e-mail: mgfernan@letras.up.pt. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-9684-2170

4 Antiga medida portuguesa, onde 1 braça equivale a 220 centímetros (Marques, 2001, p. 23).

147-168